Foi aparecendo discretamente. Foi pouco a pouco. Eu mesma não sabia que ela viria. Não busquei isso. Não foi minha intenção. Mas ela estava ali. Foi inevitável.

O sapato era preto. Mas ele já era preto há muito tempo. Foi em Nova Iorque, em 2000. Foi quando o encontrei. Nem sabia para que seria. Só sabia que um dia seria para algo.

Depois foi a capa. Preta. Uma capa preta. Ela estava em Londres, em Camden Town. Eu já sabia que seria para a palhaça, que em dezembro de 2014, ainda não tinha nome.

O processo de escrita já havia começado. O processo mais de dentro, aquele lá do fundo mesmo, já havia começado há mais tempo ainda. Mas em nenhum momento pretendi falar dela. Daquela ela.

Em 2017 comecei a escrever mais. E mais. E mais. Fui para o estúdio. Começaram a surgir cenas. E as cenas surgem surgidas. Não surgem cenas pensadas. Penso só depois que surgem. Tento não atrapalhá-las.

Fiz a morte do cisne.

Cantei “eram 10 horas da noite // quando tudo aconteceu // assim como as flores morrem // a minha Lira morreu

Embalei um bebê imaginário que havia desvivido.

Quando fui fazer o primeiro ensaio fotográfico quis uma fita para o cabelo. A fita que surgiu era preta. Não pensei na hora. Pensei depois que já tinha sido.

Fui ensaiar e arrumar a mesinha da Angelina. Precisava de uma toalha de mesa. Havia um pano na caixa dela. Serviu no tamanho. Mas o pano era preto. Uma toalha preta de mesa.

Depois que canto a canção da guerra civil espanhola a capa preta é alguém que morre na guerra. Chorei muito no dia em que esta cena surgiu. Eu não sabia que a morte viria.

Angelina tem vassouras. As vassouras morrem. Caem no chão. E ficam por lá estateladas. Fazem companhia assim.

Veio na cabeça a história da Formiguinha e a Neve. Na história a Formiguinha conversa com a morte.

E logo no início Angelina se apresenta. Há dois anos escrevi um texto que conta que Angelina veio de uma nuvem e foi chovida. Por isso ela tem medo de evaporar.

E Angelina mata baratas. Mata baratas sem dó.

Não foi minha intenção. Mas a morte apareceu aqui neste trabalho. Foi inevitável. Precisei falar dela. Ela queria ser falada. Apenas não atrapalhei.

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E é por trás da menor máscara do mundo que me revelo.

Ah! Esse nariz vermelho!